No 'lugar mais perigoso da Europa', Anzhi vira visita no Daguestão
Clube ainda não tem previsão para elenco trocar Moscou por Makhachkala, mas garante que motivo é falta de estrutura, não segurança
– A cidade ainda não está preparada para receber os jogadores. Falta muita coisa, nós sabemos disso - diz Murad, um russo que se mudou para a Espanha há oito anos e voltou a Makhachkala para visitar a família e "ver o Anzhi jogar", como ele faz questão de acrescentar.
Murad vive em Getafe, na Grande Madri. Dizer que ele fez o caminho inverso de Roberto Carlos, que passou 11 anos na capital espanhola a serviço do Real Madrid, é motivo para enchê-lo de orgulho.
– Quando o Roberto Carlos acertou com o Anzhi meus vizinhos na Espanha perguntavam: "Não é de lá que você veio?". Agora todos sabem onde fica o Daguestão.
Criado em 1991, mesmo ano do fim da União Soviética, o FC Anzhi tem como grande feito o vice-campeonato da Copa da Rússia em 2001 e até um ano atrás disputava o Campeonato Russo com a missão de evitar o rebaixamento. Foi então que o homem mais rico do Daguestão, Suleiman Kerimov, de 45 anos, comprou o Anzhi com planos de transformá-lo no time mais poderoso da Rússia. De acordo com a revista Forbes, que anualmente publica a lista das pessoas mais ricas do planeta, Kerimov é o 118º colocado, com uma fortuna de mais de R$ 14 bilhões. Seus negócios já variaram de aviação e construção civil até petróleo e gás. Mas o investimento no Anzhi vai além do futebol.
Estátua de Lênin na entrada de um parque em Makhachkala, no Daguestão (Foto: Rafael Maranhão)
Localizado às margens do Mar Cáspio no norte do Caucáso, o Daguestão tem 2,6 milhões de habitantes e é uma das áreas mais pobres da Rússia. Recentemente, foi apontado pela agência de notícias britânica BBC como o "lugar mais perigoso da Europa". Os frequentes atentados de fundamentalistas islâmicos que querem a separação da região são parte do problema. Os terroristas não têm dificuldade em recrutar jovens revoltados com a corrupção, falta de oportunidades e o envolvimento de autoridades com o crime organizado. Para piorar, as forças de segurança que deveriam combater o crime são acusadas por torturas, desaparecimentos e execuções.
Suleiman Kerimov é senador pelo Rússia Unida, partido do primeiro ministro e ex-presidente Vladimir Putin, que deve voltar à presidência do país nas eleições de março. Oligarcas alinhados com o governo – ou em busca de evitar problemas com ele – costumam investir em áreas menos favorecidas do país. O novo Anzhi é parte do projeto de modernizar o Daguestão e combater o extremismo.
– O futebol pode mudar a imagem da nossa região, pode transformar a cabeça das pessoas e mostrar a elas que a vida também irá mudar no futuro - afirmou o diretor geral do Anzhi, German Chistyakov, em entrevista a jornalistas ingleses levados a Makhachkala no fim de outubro a convite do clube.
Quando Eto'o foi contratado, em agosto, a organização não-governamental Human Rights Watch criticou os investimentos pesados no futebol dizendo que eles deveriam ser acompanhados por esforços parecidos em outras áreas. Sobretudo, segundo a ONG, o combate aos abusos cometidos pelas autoridades e forças de segurança no Daguestão.
Encontrar pessoas portando armas em Makhachkala não é tarefa das mais complicadas. Uma pistola custa menos de R$ 40 em lojas do centro da cidade. Alguns dizem que trata-se de uma antiga tradição do Cáucaso. Outros, que é para se proteger de criminosos.
– Como vocês chamam no Brasil aquela área sem segurança e com muitos problemas onde vivem as pessoas mais pobres? Favela, certo? Pois nós somos a favela da Rússia. Muita gente aqui ainda acha que precisa de uma arma para se defender – diz um jornalista local, que pediu para não ser identificado.
Apesar da insegurança na região, a versão oficial do Anzhi é a de que os jogadores vivem e treinam em Moscou por causa da falta de estrutura adequada para recebê-los na capital do Daguestão.
– Ainda não sabemos quando vamos nos mudar, mas as coisas em Makhachkala estão se transformando tão rapidamente que pode ser mais rápido do que se imagina. Mas temos tudo o que precisamos em Moscou e já nos acostumamos com a situação de viajar para jogar "em casa" – afirma Roberto Carlos
Suleiman Kerimov costuma estar presente às partidas do Anzhi em Makhachkala, mas poucos conseguem vê-lo já que ele se refugia no prédio localizado bem na direção do centro do gramado, uma espécie de área vip do estádio do Dínamo, com vidros fumê e seguranças à porta. Quando uma foto do oligarca aparece no telão, a torcida responde como se fosse um gol em final de campeonato.
Para os fãs do Anzhi na porta do estádio, as visitas do time da casa à cidade uma vez a cada duas semanas já não causam tanta estranheza.
– No dia em que anunciaram a contratação de Roberto Carlos as pessoas se olhavam como que perguntando: "é verdade mesmo?". Há quem ache estranho que os jogadores vivam em Moscou, talvez não sintam que a equipe seja tão local como antes, mas você não vai encontrar muitos que admitam isso. Talvez seja o preço a pagar para ter grandes craques aqui – diz Mohammed, com cachecol e bandeira do Anzhi, se espremendo para passar pelo detector de metais que tenta impedir a entrada de armas no estádio.
fonte: Globo Esporte
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