O Mitológico Honvéd [Botões
para Sempre traz o Honvéd, da Hungria, com arte e escudo retrô, da
camisa do célebre time do início dos anos 50 de Puskás e Cia. O blog
publica mais uma excelente matéria dos grandes Esquadrões da Cortina de
Ferro]
Fonte de texto: Leandro Stein – Site Trivela
Fonte de texto: Leandro Stein – Site Trivela
Foto de 1952: Honvéd significa "A DEFESA da PÁTRIA"
A história do time do Exército Húngaro
A história do time do Exército Húngaro
A Hungria será eternamente
celebrada por tudo o que sua seleção fez no início da década de 1950. Um dos
maiores times da história, apontado por muitos como o verdadeiro futebol total.
Os Mágicos Magiares eram capazes de atuações incríveis, donos de um ataque
poderosíssimo. E que, independente do asterisco por nunca ter conquistado uma
Copa do Mundo, deu uma contribuição bem maior do que outros times que
levantaram a taça. Em compensação, a versão
clubística daquele time fantástico nem sempre é reconhecida como deveria. O
Honvéd era a base da seleção, dominou o Campeonato Húngaro por anos e fez
excursões marcantes. Só não conquistou a Copa dos Campeões. E é neste ponto que
talvez esteja sua maior pena. O auge dos tricolores foi anterior à criação do
torneio continental. Mais do que isso, foi inspirador. Uma derrota de Puskás,
Czibor, Kocsis, Bozsik e todos os craques que compunham a equipe é que foi
precursora da Champions. Contribuição enorme. Mas apenas uma entre tantas boas
histórias que o Honvéd deixou no passado, especialmente entre as décadas de
1940 e 1950.
Escudos antigos
Escudo atual
O clube do proletariado ganha dois craques
O Honvéd fora fundado muito antes de a máquina estatal comunista apossá-lo. O Kispesti Atlétikai Club surgiu em 1909, pelas mãos de Bálint Varga. O professor teve a ideia de unir os habitantes de Kispesti, então uma vila na região Budapeste, em torno dos esportes. O futebol era apenas mais uma das modalidades praticadas do clube, sem tanto destaque assim. Os tricolores chegaram à primeira divisão húngara no fim da década de 1910, mas nunca foram além do vice-campeonato. A grande glória do time era ter conquistado a Copa da Hungria em 1926, bem como ter cedido Rezso Somlai à seleção que disputou a Copa de 1934.
No entanto, os rumos do Kispesti começam a mudar
nos anos 1940. Primeiramente, por dois craques que surgiram em suas categorias
de base. Muitos podiam dizer que Ferenc Puskás tinha as costas quentes por ser
filho do treinador. Ferenc Purczeld tinha sido jogador do clube por nove anos,
entre 1927 e 1936. Enquanto atuava, precisava conciliar os treinos na equipe
semiamadora com os trabalhos na companhia ferroviária ou no matadouro. Porém, quando
pendurou as chuteiras, passou a cuidar do Kispesti praticamente sozinho: era
treinador dos quatro times mantidos pelos tricolores, do infantil ao principal.
E nem por isso o pequeno Ferenc teve sua vida facilitada.
Puskás tinha todos os motivos para ser apaixonado
pelo Kispesti. Nasceu na cidade e morava bem ao lado do estádio do clube. “Uma
de minhas lembranças mais antigas é o clamor dos torcedores que entrava pela
janela da nossa cozinha em dias de jogo. Eu ficava fascinado”, contou, no livro
‘Puskás, uma lenda do futebol’. Com dez meses já chutava a primeira
bola, aos três acompanhava as partidas. Durante a infância, limpava as
chuteiras e o campo no clube onde o pai trabalhava, chegando até mesmo a ajudar
na reconstrução do estádio, após um incêndio. Aos dez anos, enfim, teve a
chance de entrar para a base. E por debaixo dos panos. O garoto estava apenas brincando nas ruas, quando
um funcionário do Kispesti foi observar o jogo. O olheiro gostou de Jozsef
Bozsik, vizinho e amigo inseparável de Puskás – os dois costumavam combinar as
peladas com simples batidas na parede que separava suas casas. Ao ver o
parceiro escolhido, Puskás falou: “E eu? Jozsef e eu sempre jogamos juntos e
fazemos muitos gols”. O suficiente para amolecer o observador. O problema é que
Ferenc tinha dois anos a menos do que o mínimo para jogar no infantil. E o
prodígio falsificou os documentos, rebatizado como Ferenc Kovacs. Um delito que
era sabido pelos adversários, mas que não precisou durar muito tempo. Ali,
nascia uma das maiores duplas da história do futebol.
O esquadrão do exército nasce do meio do povo
Puskás, Bozsik e os garotos da base do Kispesti
faziam sucesso nos torneios pela Hungria. E a Segunda Guerra Mundial acabou
acelerando a aparição deles na equipe principal. Aliada dos nazistas, a Hungria
sofria com os bombardeios em seu território e ia convocando toda a população
masculina para lutar no front russo. O Campeonato Húngaro de 1943/44 foi o
último completado antes do fim da guerra, em 1945. Também o que marcou a estreia
de Bozsik e Puskás. Ambos menores de idade, não podiam servir as forças
armadas. “Em certo sentido, o futebol protegeu-me da guerra. Eu estava tão
absorvido pelo jogo que esquecia o que estava acontecendo ao redor”, afirmou
Puskás, tempos depois.
Na época, o Kispesti ainda era treinado por
Ferenc Purczeld – que, desde 1935, havia mudado seu sobrenome para Puskás, a
fim de evitar a relação entre a sua origem alemã e o nazismo. Entretanto, não
foi por causa do técnico que os garotos tiveram as portas abertas, mas sim pela
qualidade técnica. Com os prodígios, os tricolores ganhavam novas perspectivas.
Naquela primeira temporada, venceram o poderoso Ferencvaros, enquanto aviões de
guerra sobrevoavam o estádio. Com o fim da batalha que libertou Budapeste em
fevereiro de 1945, a
primeira ação do Kispesti foi justamente ir a campo, jogando contra os soldados
russos.
A partir da reconstrução da capital húngara nos
anos seguintes, o futebol era uma válvula de escape diante da dura realidade
enfrentada nos anos anteriores. E foi neste momento que o Kispesti reforçou
ainda mais seu caráter popular. “O publico do Kispesti podia não ser enorme,
mas os que compareciam eram muito entusiasmados. Eles tinham uma verdadeira
afeição pelo time, não deixavam de apoiar nem quando estávamos perdendo. Era
também um público com grande conhecimento de futebol, que sabia apreciar boas
jogadas”, dizia Puskás. A manutenção do clube, aliás, era garantida pelos
locais: o alfaiate que dava os uniformes, o dono do restaurante que garantia o
almoço, o açougueiro que contribuía com as carnes.
Mesmo com essa aura de amadorismo (Puskás e
Bozsik chegaram a trabalhar em uma loja de ferragens para complementar o
salário), o Kispesti passou a conseguir resultados cada vez melhores no Campeonato
Húngaro. De time de meio da tabela, passou a ficar sempre entre os quatro
primeiros depois do fim da Segunda Guerra, chegando ao ápice com o
vice-campeonato em 1946/47, sob o comando de Ferenc Purczeld. Tanto é que o
clube passou a fazer excursões internacionais, atraindo os olhares estrangeiros
a seus melhores jogadores. Puskás recebeu uma proposta da Juventus quando tinha
20 anos, enquanto queriam levar Bozsik para a França. Os dois preferiram
continuar na Hungria, próximos de suas famílias.
O crescimento do Kispesti acabou sendo
capitalizado pelo comunismo, que começou a tomar a Hungria a partir do fim da
guerra e se afirmou em 1949. O futebol foi percebido como meio para aproximar o
Estado e a população. Assim como acontecera na União Soviética, os clubes
húngaros foram apadrinhados pelos órgãos públicos. E o Kispesti se transformou
em Honvéd, ‘os defensores da pátria’, controlado pelo exército. As Forças
Armadas chegaram a cogitar a adoção do Ferencváros, de longe o clube mais
popular do país, mas as suas raízes fascistas e ligadas ao velho nacionalismo
fizeram com que os militares desistissem da ideia. Embora menor, o Kispesti
tinha suas raízes ficada nas camadas populares. Conseguir a adesão do povo em
pouco tempo, ainda mais com o talento de Puskás e Bozsik, não seria problema.
A formação dos Mágicos Magiares em Kispesti
A formação dos Mágicos Magiares em Kispesti
Tanto quanto as promessas que se firmavam no
Honvéd, outro passo importante para a montagem do esquadrão aconteceu dentro do
governo. Os húngaros tinham a ideia de formar uma seleção imbatível. Uma
maneira inteligente de unir a população, bem como de exibir o poderio do país
ao resto do planeta. O encarregado da missão era Gusztav Sebes. O técnico
da seleção era também representante do Ministério dos Esportes e dirigente do Comitê
Olímpico. Um homem com amplos conhecimentos sobre o futebol, com carreira feita
no MTK, onde foi pupilo do técnico inglês Jimmy Hogan. E que também era
defensor ferrenho dos ideais comunistas, chegando a liderar até mesmo
sindicatos de trabalhadores da indústria automobilística.
Para o mentor dos Mágicos Magiares, o surgimento
de uma seleção forte dependia da prática. Por isso mesmo, o poder central
articulou a reunião dos melhores jogadores do país nos clubes de seus órgãos
mais poderosos: o Honvéd e o MTK Hungária, gerido pela polícia secreta. Os dois
serviriam de base para a equipe nacional, mantendo o elenco entrosado e
disciplinado, para facilitar o serviço de Sebes. Enquanto o MTK foi primordial
pela revolução tática, o Honvéd cultivava o talento dos maiores craques daquela
geração. Puskás e Bozsik logo ganharam a companhia de outros grandes jogadores.
A maioria deles eram jovens que estavam na época do serviço militar obrigatório
e que, por isso mesmo, se alistavam no time do exército.
Gyula Lóránt foi trazido do Vasas. O zagueiro era
companheiro de clube de Ladislao Kubala e, ao seu lado, planejava formar o
Hungaria, um time de refugiados para excursionar pela Europa Ocidental. O
problema é que Lóránt foi pego pelo governo e só foi salvo das acusações de
conspiração depois que Sebes interveio. Gyula Grosics, descoberto pelos
assistentes do técnico da seleção quando atuava por um pequeno clube do
interior, seria o goleiro. Sándor Kocsis e László Budai deixaram o Feréncvaros,
que, perseguido por abrigar opositores do regime, perdia forças. Já Zoltán
Czibor também saiu do Feréncvaros, mas passou dois anos no Csepel até atingir a
idade para o serviço militar, quando não teve escolha. Com o ponta esquerda e
Lajos Tichy, garoto levado ainda na base, o timaço do Honvéd estava completo.
De início, aliás, até houve uma tentativa de
disciplinar o Honvéd dentro de um regime militar. Algo que os jogadores
conseguiram contornar, como conta Puskás: “Nos três primeiros meses ficamos
morando no quartel e andando o tempo todo de uniforme. Tínhamos até que nos
levantar às seis da manhã, mas logo convencemos as autoridades que não era
saudável para esportistas estar em pé naquela hora. Tivemos que aprender o
básico sobre marchar e bater continência, mas depois de três meses deixaram que
a gente dormisse em casa. Bozsik e eu fomos promovidos a tenente, sabe Deus por
quê, e depois de um ano todo essa farsa toda foi abandonada”. Com os resultados
imediatos, a liberação era mais do que justificada.
Seis anos dourados para a melhor geração húngara
Mesmo sem todos os craques, bastou apenas uma temporada para que a ‘Geração de Ouro’ se tornasse vitoriosa. O Honvéd conquistou o inédito Campeonato Húngaro logo em 1949/50. O bicampeonato seria garantido meses depois, ainda em 1950, após uma mudança no calendário da liga. Um time que impressionava pelo potencial ofensivo, explicado pelo entrosamento dentro e fora de campo. Além do companheirismo entre Puskás e Bozsik, havia também uma amizade fortíssima entre Kocsis, Budai e Czibor. Nos tempos de Ferencváros, os dois pontas costumavam ficar depois dos treinos para aprimorar os cruzamentos a Kocsis. Algo que evoluiu no Honvéd. E nem as crises de ego entre Puskás e Kocsis foram capazes de atrapalhar. Em 1951, o Honvéd acabou com o vice-campeonato, superado justamente pelo MTK – que, na época, tinha adotado o nome de Bástya Budapeste. Aquele também foi o último ano de Ferenc Purczeld à frente da equipe, meses antes de seu falecimento. Em sua terceira passagem pelo clube, o treinador tinha contribuído não apenas na montagem da máquina, mas também por dar liberdade ao seu capitão. Puskás era a voz ativa do pai dentro de campo, tão importante quanto ele no comando do time. Para o seu lugar, o indicado foi Jeno Kalmár, próximo a Sebes e responsável por consolidar ainda mais os tricolores.
Mesmo sem todos os craques, bastou apenas uma temporada para que a ‘Geração de Ouro’ se tornasse vitoriosa. O Honvéd conquistou o inédito Campeonato Húngaro logo em 1949/50. O bicampeonato seria garantido meses depois, ainda em 1950, após uma mudança no calendário da liga. Um time que impressionava pelo potencial ofensivo, explicado pelo entrosamento dentro e fora de campo. Além do companheirismo entre Puskás e Bozsik, havia também uma amizade fortíssima entre Kocsis, Budai e Czibor. Nos tempos de Ferencváros, os dois pontas costumavam ficar depois dos treinos para aprimorar os cruzamentos a Kocsis. Algo que evoluiu no Honvéd. E nem as crises de ego entre Puskás e Kocsis foram capazes de atrapalhar. Em 1951, o Honvéd acabou com o vice-campeonato, superado justamente pelo MTK – que, na época, tinha adotado o nome de Bástya Budapeste. Aquele também foi o último ano de Ferenc Purczeld à frente da equipe, meses antes de seu falecimento. Em sua terceira passagem pelo clube, o treinador tinha contribuído não apenas na montagem da máquina, mas também por dar liberdade ao seu capitão. Puskás era a voz ativa do pai dentro de campo, tão importante quanto ele no comando do time. Para o seu lugar, o indicado foi Jeno Kalmár, próximo a Sebes e responsável por consolidar ainda mais os tricolores.
A brilhante seleção húngara de 1954
O título húngaro não foi apenas recuperado em
1952, como também foi conquistado de maneira invicta, o que não acontecia na
liga desde 1936. E seis jogadores do elenco ainda tiveram o gosto de colocar a
medalha de ouro no peito naquele ano. Os Mágicos Magiares davam sua primeira
prova de força nas Olimpíadas de Helsinque. Em um tempo no qual o amadorismo
era incentivado nos jogos, a seleção de Sebes atropelou os adversários. Bateu
Itália, Turquia e Suécia, até vencer a Iugoslávia na decisão, com gols de
Puskás e Czibor.
A força de Honvéd e Bástya formava um ciclo
vicioso. Os dois clubes devastavam qualquer um na liga e também quando se uniam
na seleção, dando poucos espaços para os bons jogadores de outros times serem
convocados. Na equipe do exército, se concentrava o talento. E, na equipe da
polícia secreta, a inteligência. O técnico Marton Bukovi é considerado o pai da
transformação do esquema 2-3-5, o famoso WM, no 4-2-4. Foi no clube que o treinador
aprimorou a função tática de Nándor Hidegkuti, peça-chave para o sucesso da
Hungria. O centroavante vinha do ataque para o meio, puxando a defesa
adversária e abrindo espaços para os quatro homens de frente. Aí é que Puskás,
Kocsis, Budai e Czibor faziam estragos.
Graças ao 4-2-4 aplicado por Sebes é que a
seleção foi tão letal durante a primeira metade da década de 1950. Em 1953,
derrotou a Itália na inauguração do Estádio Olímpico, o que fez os italianos
mudarem a legislação para a contratação de jogadores estrangeiros – apenas
descendentes passaram a ter o direito de defender clubes da Serie A. Seis meses
depois, o histórico triunfo em Wembley. Com uma atuação impecável, os húngaros
bateram a Inglaterra por 6 a
3, na primeira vitória de uma seleção da Europa continental na ilha. Um
resultado que marcou profundamente o futebol inglês e fez os húngaros serem
recebidos como heróis no país. O esquadrão parecia imbatível. Até o dia 4 de
julho de 1954. A
Alemanha alcançou o ‘Milagre de Berna’, batendo os Mágicos Magiares por 3 a 2 na final da Copa do
Mundo. Puskás e Czibor haviam feito os dois primeiros gols daquela decisão, mas
acabaram engolidos pela virada dos germânicos. Seis jogadores do Honvéd
sentiram a derrota de dentro do campo, enquanto outros dois assistiram a tudo
do banco.
Em menos de um mês, a maior derrota e a maior
vitória
Obviamente, o trauma com a seleção afetou o Honvéd. Os tricolores permaneceram hegemônicos no país ao lado do Bástya (rebatizado como Vörös Lobogó). Depois do segundo lugar em 1953, conseguiram a revanche em 1954, naquele que foi o título mais marcante do clube: foram 100 gols, 32 de Kocsis e 21 de Puskás. Todavia, o brilho das taças se contradizia com a perseguição sofrida pelos vice-campeões mundiais. Por causa do fracasso com a seleção, Puskás passou a ser rotineiramente insultado nas partidas com o clube. Certa vez abandonou o campo, em outra abaixou o calção na frente dos torcedores mais exaltados. Já Grosics atravessou 15 meses afastado do futebol, em prisão domiciliar, suspeito de espionagem e traição. O goleiro era até mesmo evitado pelos próprios companheiros, com medo de represálias do Estado.
Obviamente, o trauma com a seleção afetou o Honvéd. Os tricolores permaneceram hegemônicos no país ao lado do Bástya (rebatizado como Vörös Lobogó). Depois do segundo lugar em 1953, conseguiram a revanche em 1954, naquele que foi o título mais marcante do clube: foram 100 gols, 32 de Kocsis e 21 de Puskás. Todavia, o brilho das taças se contradizia com a perseguição sofrida pelos vice-campeões mundiais. Por causa do fracasso com a seleção, Puskás passou a ser rotineiramente insultado nas partidas com o clube. Certa vez abandonou o campo, em outra abaixou o calção na frente dos torcedores mais exaltados. Já Grosics atravessou 15 meses afastado do futebol, em prisão domiciliar, suspeito de espionagem e traição. O goleiro era até mesmo evitado pelos próprios companheiros, com medo de represálias do Estado.
Apesar dos problemas, o Honvéd mantinha sua aura
para o restante da Europa. E a base da seleção voltou à Inglaterra em dezembro
de 1954. Desta vez, não para jogar em Wembley. O Estádio Molineux era o palco
do confronto com o Wolverhampton, então campeão inglês, no primeiro jogo ao
vivo transmitido pela televisão britânica. Assim como tinha acontecido na
decisão da Copa de 1954, os Wolves resolveram encharcar o campo, para complicar
o jogo fluido dos húngaros. Apesar disso, com 14 minutos de partida, Kocsis e
Machos já abriam dois gols de vantagem para os visitantes. No entanto, a equipe
treinada por Stan Cullis não se furtou de abusar dos chutões para arrancar a
virada por 3 a
2, comemorada efusivamente pelos 55 mil presentes nas arquibancadas.
O Honvéd ficou na bronca com a derrota. Os
húngaros reclamavam de um pênalti não marcado pelo bandeirinha, o mesmo que
havia anulado o gol de empate na final da Copa de 1954. Pouco importava para os
ingleses. Aquela era a desforra depois dos 6 a 3 em Londres e também dos 7 a 1 em Budapeste, quando a
seleção pediu revanche aos Mágicos Magiares. O capitão Billy Wright tinha a sua
redenção. Os jornais britânicos passaram a estampar os Wolves como ‘campeões da
Europa’. Uma afirmativa que foi desafiada por Gabriel Hanot, editor do
L’Equipe, sugerindo a criação de um torneio que envolvesse todos os campeões
nacionais da Europa. Ali nascia a Copa dos Campeões, que teve seu pontapé
inicial nove meses depois.
Talvez a raiva deixada pelas manchetes inglesas
tenha levado o Honvéd a sua vitória mais emblemática. Os tricolores já eram
campeões nacionais de 1954 quando enfrentaram o Vörös Lobogó pela rodada que
fecharia a liga. Por conta da excursão, a partida foi remarcada para janeiro de
1955. E, na casa dos rivais, o Honvéd deu a maior prova de sua fúria ofensiva.
A noite fria e nublada em Budapeste sinalizava para uma vitória fácil do Vörös
Lobogó, que abriu 3 a
1 no placar. Entretanto, os 25 minutos seguintes dos visitantes beiraram a
perfeição: seis gols, levando para o intervalo a vitória parcial por 7 a 3. No início do segundo
tempo, o Honvéd chegou a ampliar para 9 a 4, mas relaxou no fim e fechou a conta em 9 a 7. Puskás balançou as redes
quatro vezes, Kocsis anotou três e Tichy complementou com mais dois.
A única campanha na Copa dos Campeões, com a cabeça na revolução
A única campanha na Copa dos Campeões, com a cabeça na revolução
Embora fosse o campeão húngaro de 1954, o Honvéd
não foi o representante do país na primeira edição da Copa dos Campeões, em
1955/56. O clube do exército rejeitou o convite e quem entrou na disputa foi o
Vörös Lobogó, eliminado nas quartas de final para o fortíssimo Stade Reims.
Entretanto, não havia nada que colocasse em xeque a supremacia dos tricolores
na Hungria. O time ficou com o bicampeonato em 1955, quando finalmente aceitou
disputar a competição europeia.
O sorteio da Copa dos Campeões 1956/57 não foi
nada gentil com o Honvéd. Colocou no caminho dos tricolores o Athletic Bilbao,
que havia desbancado as equipes fortíssimas de Real Madrid e Barcelona para
ficar com o título de La Liga na temporada anterior. Ainda assim, esse era o
menor dos problemas. Dias antes da partida contra o Athletic, estourou a
Revolução Húngara de 1956. O país já vivia uma situação delicada desde o ano
anterior. O primeiro ministro Imre Nagy foi destituído do poder em abril de
1955, após uma série de propostas que desagradaram o poder central comunista na
União Soviética. E as várias tensões culminaram em uma revolta popular contra
as políticas impostas sobre os húngaros. Diante do caos que se instaurou nas
ruas do país, Puskás chegou a ser dado como morto. Todavia, o Ministério da
Defesa garantiu a segurança do Honvéd, que viajou para Viena três semanas antes
do jogo. Quatro dias depois, o exército soviético entrou em massa no país para
reprimir a revolução.
A derrota por 3 a 2 para o Athletic em San Mamés foi até
natural, levando em conta do psicológico abalado dos húngaros. Depois disso, o
Honvéd preferiu não voltar para casa e remarcou o jogo de volta para Bruxelas.
Durante um mês, a equipe manteve a forma com uma série de amistosos na Espanha,
na Itália e em Portugal. Venceu Milan e Barcelona, empatou por 5 a 5 em um épico contra o
combinado formado por Real Madrid e Atlético de Madrid. Os jogos também
serviram para que o elenco pudesse reencontrar com Grosics, que se juntou à
equipe. Já pela Copa dos Campeões, sem o apoio de sua torcida, a equipe acabou
eliminada da competição continental após o empate por 3 a 3 com os bascos,
insuficiente para o jogo-desempate. Mas, naquele momento, a classificação na
Copa dos Campeões era uma questão bem menor.
A fuga, a clandestinidade e a queda
A fuga, a clandestinidade e a queda
O sangue derramado pelos soviéticos na Hungria já
cessara nas vésperas do jogo decisivo contra o Athletic Bilbao. Ainda assim,
parte dos jogadores não queria voltar para casa. O Honvéd recebera uma
vantajosa proposta de um dirigente do Flamengo para disputar amistosos no
Brasil. Só que, para tanto, o elenco precisava de uma autorização especial da
federação húngara. E, a partir disso, criou-se um impasse. O temor de uma
deserção fez com que o governo forçasse os dirigentes contra a excursão. O
próprio Gusztav Sebes tentou intermediar a queda de braço, que pendeu contra a
viagem.
Alguns voltaram à Hungria logo
após o jogo em Bruxelas, como Kalmár, Tichy e Bozsik. A maioria, porém,
preferiu seguir à América do Sul e enfrentar as consequências – muitos deles já
tinham levado as famílias para fora do país, o que os tranquilizava neste
aspecto. Os húngaros convidaram Bela Guttmann para comandá-los na turnê. O
treinador já havia passado pelo clube na década de 1940 (demitiu-se após ter
uma briga com Puskás) e era visto como um técnico bastante talentoso. No
Brasil, o Honvéd teve uma recepção fantástica, lotando o Maracanã e o Pacaembu
em cinco amistosos: 4×6 Flamengo, 4×2 Botafogo, 6×4 Flamengo, 3×2 Flamengo, 2×6
Combinado Flamengo/Botafogo. Os craques magiares se encontraram com Didi,
Garrincha, Nilton Santos, Evaristo, Dida. Além do encanto, deixaram como
herança o 4-2-4, ensinado por Guttmann a Feola, na passagem pelo São Paulo.
Pela desobediência, a federação húngara acionou a Fifa. O Honvéd era
considerado ilegal, assim como os jogadores estariam suspensos. No entanto, a maioria
deles sequer voltou para a Hungria. Kocsis e Czibor não demoraram a fechar
negócio com o Barcelona. Já Puskás esperou mais. Chegou a treinar na
Internazionale, mas o acerto naufragou. Só depois é que passou a conversar com
Santiago Bernabéu, que, apesar do sobrepeso do craque, o levou para o Real
Madrid. A suspensão perdurou por mais alguns meses e até tentaram levar o trio
húngaro para o Manchester United, para compensar os mortos no desastre aéreo de
Munique. Não permitiram. A partir de 1958, todos já estavam em ação no
Campeonato Espanhol.
Já no distrito de Kispesti, o Honvéd amargava seu
declínio. O clube foi punido com o rebaixamento, mas se manteve na primeira
divisão por uma manobra que aumentou o número de times. Bozsik foi suspenso por
seis meses e vários jogadores acabaram interrogados. A geração de ouro estava
envelhecida, enquanto muitos dos jovens promissores haviam desertado em uma
viagem com a seleção sub-21, influenciados por Puskás, Kocsis e Czibor. A
partir da década de 1960, o esquadrão do exército não passava de um time de
meio de tabela no Campeonato Húngaro.
19801983
Bozsik Stadium
O que aconteceu depois?
Ao cair no ostracismo, o Honvéd só reconquistaria
o Campeonato Húngaro em 1981. Os tricolores voltaram a dominar o país na década
seguinte, com oito títulos em 13 anos. Ainda assim, a chamada segunda era de
ouro do clube nem de perto se aproximou daquela vivida na década de 1950 em
termos de relevância internacional. A partir dos anos 2000, a crise financeira
rebaixou o time e forçou sua liquidação. A recuperação nunca foi plena, com
campanhas de meio de tabeca e algumas classificações à Liga Europa. Na atual
temporada, o Honvéd é o nono colocado na liga.
2015
Incrivel materia...
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