Copa de 1982

Copa de 1982
Lembranças da Copa do Mundo de 1982: veja o artigo que escrevi sobre o melhor mundial de todos os tempos

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Entrevista com o senhor Adolpho Gonelli, filho do fundador dos botões Bolagol

Botões para Sempre traz aos seguidores e amantes do futebol de botão um presente de Natal de 2017: uma entrevista exclusiva com o senhor Adolpho Gonelli, nascido no bairro paulistano de Cerqueira César, em 1946, e filho do italiano Guelfo Gonelli, que nasceu em 1889, em Ferrara, na região italiana da Emilia-Romagna - terra das massas recheadas e dos queijos e presuntos mais famosos da 'velha bota' -, que nos conta sobre a história dos seus famosos botões Bolagol.
Seu pai fundou a firma (chamávamos assim antigamente) em 1925. Inicialmente com o nome de 'Fábrica Santa Maria de Guelfo Gonelli'. Nesta entrevista ele relembra a fabricação dos primeiros jogos que começou por volta dos anos 30. Eram vendidos para os magazines, especialmente para as Lojas Americanas. Classifico, sem dúvida nenhuma, os botões Futebol Miniatura e, posteriormente, Bolagol, como lendários e um dos pioneiros na história do futebol de botão do nosso amado Brasil.
Por Ricardo Bucci, jornalista de Botões para Sempre
1- Botões para Sempre: Sr. Adolpho, inicialmente, muito obrigado pela oportunidade. É uma honra conversar com o senhor. A primeira questão é uma dúvida particular. Seus botões pertenciam a Indústria de Artefatos Plásticos 'Santa Maria' (como vinha nas caixas) ou 'Santa Marina', pois na mídia observo escrito nas duas formas. 

Sr. Adolpho: Não sei como surgiu esse nome 'Santa Marina'. Acredito que essa confusão se dava com a vidraria de mesmo nome.
 2- BPS: Como nasceu a ideia de produzir jogos de botões?

Sr. Adolpho: Na origem, em 1925, fabricava-se utilidades domésticas, calçadeiras, botões para roupas e, posteriormente, fichas para cassinos. Éramos o único fornecedor de fichas. Meu pai, o italiano Guelfo Gonelli, voltou da 'bella bota' naquele mesmo ano e se encantou com o material chamado 'galalite' (uma matéria plástica natural de origem protéica obtida, pela primeira vez, em 1897, de substâncias orgânicas, especialmente o leite). Inclusive ele comprou um produto feito com galalite como amostra: Era uma caneta 'Mont Blanc', que hoje é raridade. Na ocasião, acabou importando 500kg do material.
Ferrara: cidade de 130.000 habitantes na Emilia-Romagna (Emília Romanha, em português), cidade natal do pai do senhor Adolpho.

3- BPS: Quando começou a produção dos primeiros jogos e suas respectivas vendas nos magazines e supermercados? A fábrica de plásticos, segundo consta no antigo CGC, foi registrada apenas em 13 de agosto de 1966?

Sr. Adolpho: A produção dos primeiros jogos começou por volta do início dos anos 30 e eram vendidos para lojas. Um de nossos primeiros clientes foi a 'Lojas Americanas' (fundada em 1929, em Niterói/RJ). Só eram fabricados jogos dos times mais conhecidos do Estado de São Paulo e do Rio de Janeiro. Os antigos distintivos eram gravados nos botões. A curiosidade ficava por conta do galalite que tinha o problema de entortar quando molhado. Quanto ao registro de 1966, deve ter acontecido por causa da mudança/atualização da razão social. Ela existia desde 1925 e começou como 'Fábrica Santa Maria de Guelfo Gonelli'. De qualquer forma, na época, a maioria da produção era de fichas para cassinos.
O bairro do Brás, em São Paulo, nos anos 30...
E a Rua da Alfândega número 74, local hoje onde ficava as instalações da antiga fábrica Santa Maria, produtora dos amados Bolagol

4- BPS: Por que a mudança de nome Futebol Miniatura para Bolagol? 

Sr. Adolpho: Procuramos um nome mais curto e atual. Numa conversa de botequim surgiu, dentre outros, o nome BOLAGOL, já no início dos anos 70. Deu certo. Tentamos registrar, contudo a Brinquedos Estrela (na época, ainda escrito com o nome 'Estrêla') contestava tudo. Alegaram que eram duas palavras de conhecimento público (sic). Daria para recorrer, mas a coisa iria longe e desistimos. Daí surgiu uma constelação de fábricas de 'fundo de quintal', imitando o nome: 'Bola no Gol', 'Kibola no Gol' etc. Com produtos baratos isso causou confusões, pois muitos clientes achavam que era fabricação nossa.
5- BPS: Como eram feitos os botões Bolagol e o seu material.

Sr. Adolpho: A partir dos anos 50, os botões passaram a ser feitos com poliestireno*, em processo de injeção (*trata-se de uma resina do grupo dos termoplásticos, cuja característica reside na sua fácil flexibilidade sob a ação do calor). Ao mesmo tempo surgiram as etiquetas para encaixar no orifício superior e o processo ficou mais rápido.
As travinhas originais dos Bolagol. Coleção de Ricardo Bucci, Botões para Sempre. Reparem na brilhante iniciativa da colocação das bolinhas, em forma de placar para os jogos.
Os Bolagol já foram citados em livros brasileiros que remetem a saudades dos brinquedos antigos. Como nesse capítulo de 'O Mundo Acabou', de Alberto Villas.

Vitória/BA da coleção de Ricardo Bucci, Botões para Sempre. Primeiro exemplar que adquiri da saudosa fábrica Santa Maria. Foto muito divulgada em Salvador, em sites e blogs do glorioso rubro-negro baiano que conta a história de seus ídolos. Aqui o antigo colecionador colocou com lápis a numeração e o nome dos atletas da escalação de 1966 do Vitória. Deixei assim para preservar a história.

6- BPS: A edição de luxo, de nome Bolacril, era diferenciada dos botões convencionais?

Sr. Adolpho: Como nós trabalhávamos também com placas acrílicas, surgiu a ideia de fazer um botão com este material. Era uma peça perolada e as rodelas eram cortadas das placas, passadas no torno para ajustar as laterais, depois eram polidas uma por uma e, finalmente, gravadas em 'hot stamping*' (*sistema de impressão que produz um efeito metalizado), um por um também. Era trabalhoso, caro e eu, particularmente, não gostava daqueles botões, apesar de bonitos.
 7-BPS: Também concordo com o senhor. Os times brasileiros convencionais Bolagol eram muito mais interessantes do que os Bolacril, que hoje 'vendedores virtuais' abusam sem dó nos preços para os colecionadores. Uma curiosidade de Botões para Sempre são os antigos escudos. Quais eram as fontes de pesquisa para encontrá-los, pois a grande maioria datava dos anos 50/60.

Sr. Adolpho: Os times foram sendo fabricados a pedido de nossos clientes. Exemplo: uma pessoa visitava cidades do interior de Minas Gerais, como São João del Rei, e as lojas de lá pediam para fazer o Athletic Club ou o Minas FC, clubes locais. Mandavam os escudos da época e nós incorporávamos ao elenco de times no catálogo.
O Athletic Club de São João del Rei, clube licenciado de Minas Gerais. Coleção de Ricardo Bucci, Botões para Sempre
8- BPS: Existiam muitos clubes nos catálogos dos Bolagol. Alguns entravam em um e, em outros, não. Por que a fábrica optou na produção maior de times nacionais do que as agremiações internacionais e das seleções?

Sr. Adolpho: Questão de mercado. As seleções só começaram a ser solicitadas depois da Copa de 1970, no México. Antes disso, só fazíamos a nossa Seleção Brasileira CBD que começou a vender depois da Copa de 1958. Quanto aos times estrangeiros, não havia ainda grande interesse da garotada, porque não existia na época a mesma divulgação de hoje como é o caso dos gigantes Barcelona e Real Madrid, da Espanha, dos italianos Milan ou Juventus, Bayern de Munique, da Alemanha etc.
Um dos catálogos originais que vinham nas caixinhas dos Bolagol
MTK da Hungria: talvez um dos mais raros da relação de times estrangeiros dos Bolagol.
Coleção de Ricardo Bucci, Botões para Sempre
E as regras do Futebol Miniatura. Reparem na descrição: ARTEFATOS DE GALALITE
9- BPS: O senhor tem a ideia de quantos jogos de botões eram produzidos anualmente? Qual época que registrou-se uma maior produção?

Sr. Adolpho: Não faço ideia de quantos jogos eram vendidos por anos. As vendas aumentaram desde o início dos anos 70, por causa da conquista brasileira da Copa do Mundo e também pelos colecionadores que apareceram depois. Assim colocamos uma relação mais completa de times na caixinha, além da colaboração da Revista Placar, que trazia semanalmente uma gama enorme de distintivos para recortar e que encaixavam perfeitamente nos botões Bolagol.
Os escudos seguiam os anos da produção dos jogos: 1950, 1960...Aqui vemos o exemplar do Canto do Rio/RJ, coleção de Ricardo Bucci, Botões para Sempre
Seleção Brasileira ainda com as iniciais CBD. Coleção de Ricardo Bucci, Botões para Sempre

10- BPS: Quais os times que tinham a maior preferência do público na época?

Sr. Adolpho: Os que mais vendiam eram os clubes ditos 'grandes' de cada Estado brasileiro. Exemplo: Palmeiras, time do meu coração. Flamengo, no Rio etc.
Madureira de cor amarela, da coleção de Ricardo Bucci, Botões para Sempre
O Galícia/BA, da coleção de Ricardo Bucci, Botões para Sempre

O Goiás/GO na caixinha com o nome descrito, da coleção de Ricardo Bucci, Botões para Sempre

11- BPS: Interessante. E eu prefiro colecionar os mais 'alternativos', ditos 'pequenos', de cada Estado. Quais foram os motivos do encerramento da linha de produção dos jogos no início dos anos 80?

Sr. Adolpho: Foram vários os motivos, dentre os quais o preço da matéria-prima, excesso de impostos, e clubes já pretendendo cobrar taxa em cima. Apenas como exemplo, quando começaram a chegar os produtos chineses, uma imitação de celular que tocava campainha, tinha uma gravação de voz, acendia luzes etc. Tudo isso era vendido pelo preço de custo dos Bolagol. Depois encerraram as atividades a 'Trol', a 'Atma' e a própria Estrela resolveu que era mais barato importar brinquedos do que fabricar aqui.

12- BPS: O saudoso tio de meu pai, de nome Vicente Forte (apelido 'Peixe), foi jogador do Clube Atlético Ypiranga, no Torneio Rio-SP, nos anos 30, ainda na fase amadora do futebol. O senhor poderia nos contar sobre o motivo da fabricação do glorioso 'Vovô da Colina'? Pelas minhas pesquisas nenhum outro fabricante antigo de botões o produziu, apenas o Bolagol. Aliás este time original e completo que possuo, considero um dos mais marcantes de minha coleção.

Sr. Adolpho: O CAY era um time tradicional, um dos fundadores da Federação Paulista de Futebol e, logicamente, vendia muito bem. Muitos craques foram revelados pelo saudoso Ypiranga e isso incrementava as vendas. O mesmo acontecia com o 'Jabuca', o Jabaquara de Santos, e a com a Ferroviária de Araraquara, dentre outros.
O saudoso CYA da coleção de Ricardo Bucci, Botões para Sempre
A fábrica ficou marcada historicamente na produção de times que hoje são extintos do futebol brasileiro, como o São Bento de São Caetano (não confundir com o de Sorocaba). Coleção de Ricardo Bucci, Botões para Sempre
E também o saudoso Sete de Setembro de Belo Horizonte/MG
Coleção de Ricardo Bucci, Botões para Sempre 
13- BPS: Deixe uma mensagem final aos amantes dos botões Futebol Miniatura/Bolagol.

Sr. Adolpho: É gostoso saber que até hoje nossos botões são lembrados pelos mais velhos e também pelos jovens que nem eram nascidos na nossa fase áurea. Grato a todos pelo carinho. Um grande abraço a você e a todos os botonistas e colecionadores com os meus votos de um Feliz Natal e um excelente ano de 2018.
Clássico Santos e SEP de 1958. Coleção de Ricardo Bucci, Botões para Sempre.
Nota de Botões para Sempre
Muito obrigado, senhor Adolpho.
Primeiro pela oportunidade de conceder esta brilhante entrevista aos meus seguidores.
E segundo: foi uma honra conversar com o senhor.
Sua memória é fantástica.
E os seus botões são uma LENDA VIVA NA HISTÓRIA DO FUTMESA.
Um abraço fraterno, de seu seguidor, Ricardo Bucci, jornalista MTB 28.445
Feliz Natal e um 2018 com muita saúde e paz.

11 comentários:

  1. Ricardo, 1 dos melhores posts do Botões para Sempre. Parabéns.

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  2. Muito obrigado , Daniel, fico contente que gostou!
    abs

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    1. Que pena os jogos eletrônicos terem superado a magia dos botões, onde crianças brincavam e desenvolviam habilidades manuais e também de raciocínio, sem grandes investimentos.
      Parabéns pela matéria!!!
      Abs

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  3. Fala Mestre RB !!!

    Mais uma belíssima entrevista, obrigado sempre por conseguir entrevistas como esta com o Sr.Adolpho Gonelli, com o Mestre Silvio Lancellotti, entre tantas outras, e tantas informações e histórias preciosíssimas e com requintes incríveis de detalhes, é muito prazeroso vivenciar tudo isso !!!

    Botões Para Sempre é e sempre será a nossa Bíblia do Futebol de Botão !!!

    Parabéns mais uma vez, e um abração fraterno !!!

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  4. Parabéns Ricardo, excelente a matéria.

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  5. Muito obrigado meus amigos! Márcio te agradeço pelos comentários, sempre prestigiando o árduo trabalho em pról do futmesa. Obrigado, Carlos, fico contente que vcs gostaram, abraços

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  6. Meu pai Oswaldo era sobrinho do Sr.Guelfo Gonelli. A mãe do meu pai chamava Amélia e era irmã dele.Uma vez, nos anos 50, fomos na casa do Sr.Guelfo e estava televisando um jogo do Corínthians. Eu, como corinthiano, vibrei de forma espalhafatosa quando o Timão fez um gol o que surpreendeu o tio do meu pai que era palmeirense. Na saída ganhamos caixa com jogos de futebol de mesa.

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  7. Parabéns pela entrevista Ricardo, tenho dois times sendo um vermelho e outro verde, os meus preferidos. Adquiridos em torno de 40 anos atrás.....

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  8. Nossa, que época maravilhosa. Agora com os meus 57 anos estou querendo comprar o BolaGol...Gostaria do time Santa Cruz/ e Santos FC

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  9. SEMPRE ATUAL , OBRIGADO BOTÕES PARA SEMPRE

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  10. Que legal a entrevista, quando jovem tinha alguns clubes feitos pelo BOLAGOL. Saudades dessa época, dos joelhos no chão, jogando com os colegas, com direito a narração e tudo.

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